Tribuna de Orates

É curioso como a própria apresentação da Tribuna de Orates dialoga com o larp em si: em meio a Virada Cultural paulistana (em 2019, realizada entre os dias 18 e 19 de maio), ocorre a Fantástica Jornada Noite Adentro, promovida pela Biblioteca Pública Viriato Corrêa (especializada em literatura fantástica), que por sua vez, nos últimos 10 anos, tem uma parceria com a Confraria das Ideias. De maneira similar, Tribuna de Orates também possui essa multiplicidade de camadas.

Anunciado como "um larp inspirado em O Alienista de Machado de Assis", a noção de que o tema da loucura iria permear a madrugada dos participantes era patente. Foi assim que fui para lá. Ao chegar e me reunir com o total de 34 participantes (29 jogadores e 5 organizadores), tive o prazer de descobrir, mais uma vez, o esmero com o qual a Confraria prepara seus larps. Logo no briefing, mais uma camada se manifestou: como não associar os vereadores da fictícia Alogópolis, situada em algum lugar do Brasil nos primeiros anos do século XX, com nossa política atual? Certamente, o estímulo de nomes como Cunha e Queirós para os vereadores ajudou muito nesse sentido. Estávamos fantasiando a política brasileira de uma república recém-chegada ou criticando a política brasileira atual? Penso que ambos.

De que loucura estávamos falando? Da loucura elogiável de Roterdã? Ou da loucura histórica de Foucault? Infelizmente, esses dois autores só surgiram como referência para mim após o término do larp. Durante o mesmo, a única referência que me vinha era a loucura da Colônia de Barbacena. Vivenciamos de fato uma "cidade dos loucos" (apelido que o complexo de hospitais de Barbacena recebeu), com suas praças, sua capela, sua câmara, seu armazém, sua pharmácia, sua barbearia e seu bistrô - além do recém-chegado "Lar da Razão". Mais do que isso, com seus habitantes. Com suas histórias e características que, por serem humanas, são passíveis de estranhamento pelo olhar insensível da razão. É o sapiens-demens de Edgar Morin, equilíbrio tênue entre nossa faceta racional e nossa faceta irracional: a loucura estaria, então, no desequilíbrio.

FONTE: Hospital Colônia de Barbacena. Prefeitura de Barbacena.

Daí, fomos levados a pensar, durante o larp, no que era a loucura maior. Seriam as demonstrações públicas de incoerência discursiva? Ou seriam as prisões arbitrárias? A Colônia de Barbacena me assombrava. Seriam os diagnósticos de loucura, na verdade, política não-situacional, a religiosidade não-hegemônica, a sexualidade não-normativa e raça não-européia?

Mais do que isso, aprendemos logo, a loucura era uma arma. Acusar o outro de loucura era um argumento poderosíssimo. Já havia aprendido em Haxän: o alienista era o novo inquisidor. Incontestável e inexorável.

Do ponto de vista do design, o passar dos dias, com trocas de iluminação e apagões representando a troca dos dias, por vezes no meio de diálogos, trazia uma certa noção dúbia, entre uma esquizofrenia (mente dividida, na acepção original do termo) que, ao mesmo tempo, evocava cotidiano cíclico: não importava o quanto os diálogos de uma noite me incomodavam, quando ocorria o apagão, era hora de começar um novo dia.

Outro ponto curioso é o quanto a obra de Assis se fez presente, mesmo que "por acidente": assim como n'O Alienista, a barbearia foi palco de conspirações para uma revolução. O curioso é que muitos dos jogadores que participaram dessa conspiração não haviam lido a obra de Assis.

Saio da Tribuna de Orates refletindo, mais do que tudo, da nossa política atual. Ao mesmo tempo em que parece alienada para alguns olhos, ela mesma usa o argumento da alienação contra seus opositores. Penso ainda se o próprio legado de Machado de Assis não estaria em risco. Seguramente, é um dos larps da Confraria que mais me leva a reflexões sobre o mundo fora dele. E que venham os próximos!

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